Recentemente, em seu amplamente elogiado artigo “Revisiting Russia’s 5th and, especially, 6th columns” (disponível em inglês e português ), Andrei Raevsky, do blog The Saker, retomou o seu conceito — bastante original — de Sexta Coluna, focando-se no panorama político e conjuntura geopolítica russa.
Neste pequeno artigo, pretendo aplicar os conceitos expostos por Raevsky ao Brasil e, tanto quanto possível, identificar, pelo menos indiretamente, os principais membros e facções que compõem a Sexta Coluna brasileira.
Antes de analisarmos a Sexta Coluna propriamente dita, convém relembrar que os tipos que compõem a Quinta Coluna no Brasil são basicamente os membros da elite e classe média compradoras locais. Essas pessoas — políticos, militares, empresários, acadêmicos, artistas ou intelectuais — são notórias por seu antinacionalismo explícito, vulgar e despudoradamente servil. Desprovidos de qualquer traço de brio nacional ou civilizatório, passaram a ser referidos como vira-latas na cultura popular.
Os quinta-colunistas brasileiros gostam de se apresentar como neoliberais ou neoconservadores, mas na verdade são desprovidos de verdadeira ideologia. São apenas um resquício do passado colonial e escravista brasileiro; sempre dispostos a servir à metrópole estrangeira dominante no momento, contra os interesses nacionais. Mais especificamente, falamos de adeptos do Consenso de Washington — com muitos portadores de diplomas de economia egressos das universidades de Chicago, Harvard e outras da Europa e dos EUA . São defensores explícitos, ou implícitos, da Doutrina Monroe e violadores seriais de direitos humanos.
Historicamente, essa gente se aglutina politicamente em torno dos partidos de direita locais e de uma certa rede local de televisão. E esse é um aspecto importante, pois em toda América Latina, e o Brasil não é uma exceção, as pautas principais de esquerda são a justiça social, o anti-imperialismo e o nacionalismo, no sentido de conquista e manutenção da soberania plena.
O que é a Sexta Coluna ?
O último parágrafo da seção anterior já contém a resposta. Concisamente, os integrantes da Sexta Coluna parecem atuar como anti-imperialistas, nacionalistas e defensores dos direitos humanos etc., mas suas ações consistentemente promovem os mesmos interesses perseguidos pelos quinta-colunistas. Esta aparente contradição entre fins, meios e, principalmente, consequências, fornece aos integrantes da Sexta Coluna a cobertura necessária para realizar operações psicológicas complexas e infectar setores importantes da sociedade, sempre promovendo a agenda imperial.
O wokeísmo tropical ou “o ultimato Borg”
O movimento woke tem sido discutido na mídia corporativa e alternativa, e existem bons artigos sobre isso, de forma que não pretendo me aprofundar muito na definição do wokeísmo em si. Em vez disso, escolhi esse trecho do “Manual do Mentícidio: Wokeness”, que no meu entender basta para compreender o conceito: “Wokeness é a euforia sobre gênero e raça. A euforia em psicologia é o estado mental de felicidade agravada. [...] Os wokes estão extremamente eufóricos com a descoberta de todas as raças e gêneros. Para eles, ser woke é a coisa mais importante do mundo. [...] É causada pela liberação excessiva de neurotransmissores dopamina e serotonina em seus cérebros, levando a uma sensação de extrema felicidade. As pessoas wokes estimulam seu sistema de prazer entregando-se ao sexismo e ao racismo incessantes”.
Então é isso. O wokeísmo é uma doutrina identitarista radical, instrumentalizada com uma série de mecanismos bastante intrusivos, divisivos e perturbadores que tenta ditar como as pessoas devem agir e pensar. O objetivo final dos identitaristas wokes é substituir a diversidade real por uma versão falsa e simplificada, restrita à questões raciais superficiais e definições de gêneros artificiais.
Os identitaristas wokes fazem parte da Sexta Coluna porque, num primeiro momento, seu identitarismo pode soar honesto e de fato dialogar causas legítimas como as reivindicações por justiça racial, direitos das mulheres, povos indígenas etc. Entretanto, fica logo evidente que o identitarismo woke não é sobre as condições sociais objetivas, mas sobre a difusão do próprio identitarismo, que promove na população hospedeira, agitação social, fragmentação e anomia. A decorrente fragilização das estruturas sociais e a perda de foco no debate político, impossível de ser seguido por indivíduos agora confusos sobre sua própria raça e seu gênero, cria um ambiente propício para a infiltração das estruturas e agendas imperiais.
O caráter violento da agenda identitarista woke se manifesta explicitamente através do fenômeno popularmente conhecido como cancelamento, aplicado pela coletividade identitarista woke contra aqueles que resistem à sua doutrinação.
O comportamento dos identitaristas wokes com aqueles que não aderem às suas causas se assemelha muito com o comportamento dos Borgs, proferindo seu famoso ultimato: “A resistência é inútil. Você será assimilado”.
De fato, o website Memory Alpha, mantido pelos fãs de Jornada nas Estrelas, documenta: “Os Borg são uma pseudoespécie de organismos cibernéticos mostrados no universo ficcional da franquia Star Trek. [...] Os Borg usam melhoramentos cibernéticos reforçados como um meio de atingir aquilo que eles acreditam ser a perfeição. [...] Os Borg se tornaram um símbolo na cultura popular para qualquer rolo compressor contra o qual ‘a resistência é inútil’. [...] A procura da perfeição é a única motivação dos Borg, uma perfeição mecânica e sem emoção. Isso é alcançado através da assimilação forçada, um processo que transforma indivíduos e tecnologia em Borg, melhorando-os — simultaneamente controlando — por meio de implantes sintéticos”.
E assim são os identitaristas wokes.
Os tucanos vermelhos
Os tucanos são uma família de aves que vivem nas florestas tropicais da América Central e América do Sul. Como todos sabem, um tucano com penas nas cores da bandeira brasileira é também o mascote do PSDB, Partido da Social Democracia Brasileiro, notório pela sua política de extrema-direita e neoliberalismo econômico radical e privatista, que arruinou o Brasil na década de 90, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso — outra similaridade com a Rússia, que sofreu do mesmo mal no mesmo período. Tudo isso faz dos tucanos verde-amarelos membros orgânicos da Quinta Coluna. Até aqui, nenhuma novidade.
Acontece que no panorama político brasileiro, os tucanos verde-amarelos não são os únicos membros da família Ramphastida. Existem os exóticos tucanos vermelhos. Refiro-me aos quadros políticos que na prática compartilham da mesma ideologia, mas infestam os partidos de esquerda. O número exato desses elementos é difícil de estimar, pois na maior parte do tempo esses personagens interpretam bem o papel de esquerdistas, evitando expor sua verdadeira filiação ideológica simplesmente não abordando temas como soberania, anti-imperialismo, combate e erradicação efetiva da pobreza, estatização dos setores estratégicos da economia etc.
Entretanto, a plumagem vermelha desses tucanos cai inexoravelmente quando eles exercem o poder e tomam decisões. Claro, geralmente é tarde demais, pois já foram eleitos e, de fato, é daí que vem boa parte do dano que eles causam. Quando não estão traindo o povo, legislando ou implementando leis e atos que amplificam a penetração do imperialismo no País, os tucanos vermelhos gastam seu tempo sabotando as organizações populares. Isso é feito promovendo pautas divisivas, alienantes e desmobilizadoras. Muitos tucanos vermelhos da atualidade são também identitaristas wokes. Outros, mais sutis, mas não menos perigosos, posam como intelectuais e produzem conteúdo deturpador da história e da cultura nacional e internacional, promovendo mitos claramente contraproducentes para a agenda da consolidação da soberania. Os tucanos vermelhos são mestres em implodir, alienar e cooptar organizações populares.
Três exemplos, antes de passarmos à próxima categoria:
O ex-candidato à Presidência da República pelo Partido dos Trabalhores (PT), que como ministro da Educação no Governo Lula promoveu um aumento significativo do financiamento, e consequente endividamento, dos estudantes brasileiros ao priorizar a ampliação do setor privado do ensino superior no País, enquanto pousava como um construtor de universidades públicas. Atualmente, o mesmo personagem dedica-se a torpedear todo e qualquer avanço da luta anti-imperialista na América Latina, atacando da Venezuela até a Nicarágua. Recentemente sentiu que deveria também atacar a Rússia, por promover o multipolarismo e respeitar o Brasil, reestabelecendo os contatos normais e protocolares com o Governo atual.
Os líderes do MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que cuspiram na história da organização e a envolveram com o turbocapitalismo financista predatório global. O MST hoje tem títulos na bolsa de valores e participa de organizações sediadas em Washington DC, em parceria com entidades com tubarões do capitalismo global.
A rede de influenciadores digitais e youtubers wokes, que se vendem como esquerdistas, mas não passam de impostores intelectuais que aceitam de bom grado — quando não concorrem por — doações das fundações dos imperialistas do capitalismo central, para comprar pacotes de likes e visualizações, a fim de promover suas atividades perturbadoras da coesão social.
O Terceiro Setor
No Brasil, o complexo obscuro e emaranhado das Organizações Não-Governamentais (ONGs) é, por motivos igualmente crípticos, chamado de Terceiro Setor.
Críptico porque as ONGs estão repletas de funcionários e ex-funcionários públicos e tipicamente interagem com as organizações governamentais via um esquema clássico de porta giratória, seguido geralmente de escadas rolantes ascendentes.
As ONGs fornecem o ambiente perfeito para a distribuição das pautas e financiamentos das entidades do imperialismo, sob o disfarce de prestação de serviços úteis ao público, por isso as classifico como integrantes da Sexta Coluna. Como se costuma dizer: “Quem paga a banda, escolhe a música”.
O dinheiro é injetado no topo do sistema, via editais temáticos e doações pelos suspeitos usuais, e em seguida é redistribuído de forma capilarizada, de modo que é muito fácil de ser seguido. De fato, não é incomum encontrar pessoas que contribuem doando dinheiro e trabalho para ONGs sem nunca perceberem que estão colaborando com a promoção de guerras híbridas, por exemplo. A ausência de uma legislação específica para rotular essas entidades como agentes estrangeiros e regular mais atentamente suas atividades, transformou o Brasil no paraíso das ONGs.
Conclusões
Os conceitos de Quinta, e principalmente, Sexta Coluna são muito úteis para entender o cenário político brasileiro, ininterruptamente agitado por operações psicológicas e uma confusão ideológica enorme. Existem milhares de outros exemplos e cobri-los exigiria um livro, provavelmente volumoso. Felizmente não é necessário cobrir todos os casos para identificar os sexta-colunistas. De fato, basta aplicar o critério já indicado por Andrei Raevsky: “cui bono?” Ou seja, quem ganha ou sai fortalecido com as operações dos agentes suspeitos, mas aparentemente bem intencionados? A resposta indicará o caminho.
Comentários
Postar um comentário