JOSÉ ÁLVARO CARDOSO: O objetivo número 1 do Império é destruir a Rússia


         A Rússia iniciou a operação militar de desmilitarização da Ucrânia na madrugada do dia 24, quinta-feira. A ação foi fulminante: em 48 horas a Rússia já havia desativado, com ataques de alta precisão, cerca de 220 instalações militares da Ucrânia, incluindo sistema de defesa antiaérea, aeródromos militares e aviação em geral. Os acontecimentos da Ucrânia representam, provavelmente, os fatos mais impactantes na política internacional nas últimas décadas, e que certamente terão grande influência sobre a economia e a política a nível mundial. Estamos assistindo, ao que tudo indica, a uma verdadeira ruptura histórica com o quadro vigente nas relações internacionais. Apesar dos fatos estarem em transformação a cada dia, e, portanto, ser difícil uma análise mais conclusiva, eles representam uma ruptura que deve mexer profundamente com o cenário político internacional.

         Na Europa, desde o final da Segunda Grande Guerra, esse é o confronto militar mais importante. A ousadia e a determinação da Rússia no enfrentamento de um país testa de ferro norte-americano na região, se constitui um marco da luta contra o imperialismo mundial. O Império está sendo confrontado por uma potência regional, que age com estratégia cuidadosamente elaborada, muito forte militarmente, apesar da inferioridade econômica. A Rússia é um país pobre, cuja principal fonte de receitas de exportações advém de commodities, em especial as energéticas. É um dos maiores produtores de petróleo e tem a maior reserva de gás do mundo, sendo responsável pelo fornecimento de mais de 40% de toda a demanda europeia do produto (o que é um forte complicador em qualquer guerra).  

         Em função da instabilidade trazida pela guerra, que a cada momento traz um fato novo para o cenário e, também, pelas graves sanções impostas à Rússia pelos países ocidentais, o preço do petróleo bruto disparou e a cotação do rublo caiu quase 30% até o momento. A Rússia, foi bloqueada por alguns bancos do sistema global de pagamentos SWIFT — a Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais, um sistema de mensagens criado por bancos de vários locais do mundo em 1973, visando possibilitar a troca de moeda entre diferentes países de forma rápida e segura. Claro, como “ninguém é de ferro”, os especuladores aproveitam para ganhar dinheiro com a guerra.

         A guerra contra a Ucrânia é uma guerra contra a OTAN (organização militar dos países ricos, dominada pelos EUA). A Ucrânia está servindo como bucha de canhão para os objetivos imperialistas dos países da OTAN, especialmente os EUA, que é são a cabeça do Império, também conhecido como o “Império da Mentira”. Não se trata de uma confrontação entre dois países imperialistas. Toda a ação da Rússia no processo foi defensiva. A operação militar desencadeada pela Rússia ocorreu após 8 anos de provocações por parte da Ucrânia, e do fato deste país ter extrapolado as “linhas críticas” da segurança geopolítica da Rússia e da região. É necessário lermos e ouvirmos os analistas independentes, não podemos ficar reféns das mentiras que os EUA espalham pelo mundo. Sobre o assunto, em 25 de fevereiro a missão diplomática chinesa na Rússia registrou em sua conta no Twitter uma informação que ajuda a entender o que ocorre na Ucrânia: “dos 248 conflitos armados ocorridos entre 1945 e 2001 em 153 regiões do mundo, 201 foram iniciados pelos EUA, o que representa 81% do número total”. Os 19% restantes foram iniciados pelos demais países do mundo.

         Conforme era de conhecimento do mundo, a diferença de capacidade militar entre Ucrânia e Rússia é abissal. A Rússia deu início à invasão da Ucrânia na última quinta-feira, dia 24 de fevereiro, com bombardeios e incursões terrestres de suas tropas em vários pontos do País, inclusive perto da capital, Kiev. O ataque foi impressionante e avassalador. Em cerca de 48 horas foi destruída praticamente toda a infraestrutura militar da Ucrânia. Em quatro dias de guerra, as negociações para estabelecer a paz já iniciaram, o que evidência a eficiência da estratégia utilizada pela Rússia. Aquilo que Putin solicitou durante meses, a negociação para evitar a guerra, o só foi aceita pelo Governo ucraniano mediante a iminência de uma derrota completa. O Governo ucraniano errou todas as avaliações e diagnósticos até aqui, a começar pela medição da correlação de forças com o inimigo. Zelensky imaginou que o Ocidente o defenderia: errou. Imaginou que poderia, quem sabe, enfrentar as Forças Armadas Russas de igual para igual: errou. Achou que haveria resistência de civis: errou feio. É impossível enfrentar uma guerra sem diagnóstico adequado, especialmente com um inimigo que sabe o que está fazendo.

         A Ucrânia atualmente tem um Governo assumidamente neonazista, fruto de um golpe coordenado pelos Estados Unidos em 2014. Após o Golpe, Putin suportou provocações de todos os tipos durante anos. O Governo russo obviamente mediu bem as consequências da guerra antes, e sabe que o preço será alto (já sendo, como vimos acima), pois o bloqueio econômico de vários países poderosos do mundo será muito pesado. Ainda que não absoluto, porque a segunda economia do mundo, a China, que tem assumido posição discreta, mas corajosa; está fora do bloqueio; e manterá relações econômicas e políticas com a Rússia normalmente.

         A Rússia vinha tentando negociar, há meses. Já em 17 de dezembro divulgou um documento preliminar, do que seria um acordo que pretendia firmar com os EUA para evitar a guerra com a Ucrânia. Basicamente pedia que os EUA se comprometessem a “impedir uma maior expansão para o Leste por parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a negar a adesão à Aliança aos Estados da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas”. Para cumprir o acordo, a OTAN teria que sair da Estônia, Letônia e Lituânia. Pelo documento apresentado, seria também vetada a possível entrada da Ucrânia na OTAN. Além disso, a Rússia também solicita a devolução, aos respectivos territórios (Rússia e EUA), de armas nucleares já posicionadas em outros países. Desde dezembro, cerca de 100.000 soldados russos já estavam concentrados próximo à fronteira e a Ucrânia temia uma invasão do País.   

         O Governo Biden forçou, o tempo todo, para que a guerra acontecesse. A estratégia de Biden é recuperar terreno perdido em relação à Rússia e China, no que se refere a diversos aspectos, especialmente o geopolítico. Essa é uma política do Governo norte-americano, do Pentágono, e da chamada Máquina de Guerra norte-americana. Não é somente de Biden, que aliás faz parte dessa máquina. Biden é um homem da guerra. Quando ocorreram os golpes em toda América Latina, durante o Governo Obama, o Vice-Presidente era Joe Biden. Ele foi o Vice dos dois mandatos de Obama. Foi o homem dos golpes na América Latina, possivelmente ajudando a coordená-los. A guerra na Ucrânia decorre principalmente do comportamento agressivo dos países imperialistas, puxado especialmente pelos EUA. 

         Os países imperialistas europeus, como Inglaterra, Alemanha e França, com nuances, no geral apoiam a política do Império estadunidense na região, apesar dos evidentes prejuízos sociais e econômicos que já estão tendo com a guerra. A Ucrânia, que é um país independente, poderia fazer parte da Rússia, como gostam de lembrar os analistas internacionais bem-informados e independentes. Mas é um país que, sem dúvidas, faz parte do cordão de defesa do território russo, sendo estratégico para a segurança da Rússia.

         Nos últimos meses, ao mesmo tempo em que Putin se preparava silenciosamente para a possibilidade de guerra, ele fez uma intensa ofensiva diplomática, tentando abrir o diálogo com os EUA e os demais países imperialistas, e até com países menos protagonistas em política internacional, no sentido de evitar um agravamento da crise em uma região tão crítica. Putin enfrenta um inimigo sem escrúpulos, porém com muito mais recursos — o orçamento militar da Rússia para 2022, US$65 bilhões, é uma fração do orçamento estadunidense, de R$768 bilhões (8,5%).

         O Governo russo vinha denunciando durante meses que os EUA e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) mantêm um comportamento provocador, além de fornecer armas para a Ucrânia e realizar exercícios militares perto da fronteira russa, a menos de 20 km. Putin denunciou, inclusive, que os EUA fizeram simulação de um ataque nuclear, no começo de novembro, na Ucrânia. O Governo Putin tem denunciado também ações de glorificação do nazismo e neonazismo na Ucrânia, inclusive com a celebração de manifestações públicas em nome da glorificação do passado nazista, do movimento nazista e do neonazismo. Segundo Moscou são frequentes a profanação e a demolição de monumentos construídos em memória dos que combateram o nazismo na Segunda Guerra Mundial. Essas iniciativas têm o apoio, tácito ou explícito, do Governo da Ucrânia.

         Tudo indica até agora que Biden não tem preparo nem condição para enfrentar a maior crise que o imperialismo teve em toda a sua história, que combina instabilidade econômica com derrotas militares e políticas. A derrota que Biden amargou no Afeganistão no ano passado, País conhecido como “Cemitério dos Impérios”, foi simplesmente acachapante. O Talibã impôs uma derrota ao exército mais rico do mundo, superior à que os EUA experimentaram em Saigon, há quase meio século atrás. É consenso, mesmo entre a maioria dos analistas puxa-sacos do Império, que Biden tomou um “vareio” de Putin, nos campos diplomático, político e, principalmente, agora, militar.

         Enquanto os norte-americanos perderam no Afeganistão, nos últimos anos os russos ganharam todas as guerras em que participaram: Geórgia, Ucrânia, Síria. A Rússia consegue fazer muito com poucos recursos. Como potência regional que é, dispõe de forças armadas muito eficientes, com equipamentos modernos e grande atualização tecnológica. Uma outra questão é que o Governo russo tem bem definido o que quer com suas forças armadas, o que permite um correto planejamento estratégico e constância de propósitos.

         Os acontecimentos na Ucrânia mostram uma impotência dos EUA, que se limitam a criticar e denunciar, mas sem entrar diretamente na guerra, como aconteceu em tantos outros momentos. O País se limitou a empurrar o despreparado Governo da Ucrânia para o enfrentamento com, possivelmente, as forças armadas mais competentes do Planeta neste momento, apenas os ajudando com armas e dinheiro, mas sem entrar diretamente na guerra. O Presidente da Ucrânia, a quem parece ter “caído a ficha” somente agora, reclamou após o início da operação militar, que foi abandonado pelo Ocidente. Sejamos realistas: os EUA jogaram a Ucrânia num fogo sem tamanho. Essa derrota abre espaço, inclusive, para processos de libertação nacional em várias regiões do mundo, pois muitos países oprimidos podem aproveitar a fraqueza do Império para começar a romper com a relação neocolonial. Não me refiro a governos totalmente capachos, evidentemente.   

         Para entender a natureza da “democracia” nos países imperialistas, precisamos saber que o orçamento militar dos EUA para este ano, de US$768 bilhões, é superior aos orçamentos militares somados dos 10 países seguintes com os maiores orçamentos. Os Estados Unidos, além de suas frotas de porta-aviões, navios e submarinos nucleares que cruzam os mares de todo o mundo, possuem mais de 700 bases militares terrestres fora de seu território nacional, nos mais diversos países. Eles conseguiram essas bases através de tratados, graças ao peso da economia norte-americana — do imperialismo norte-americano. Russos e chineses não têm esse poderio. O Império norte-americano está numa crise sem precedentes e precisa subjugar seus principais inimigos. Por isso, o quadro internacional daqui para a frente tende a esquentar.

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